Óptica Adaptativa Revela Sinais Precoces de Toxicidade Retiniana pela Hidroxicloroquina em Estudo da FMRP-USP
- Redação RetiNews

- May 20
- 5 min read
A toxicidade retiniana associada ao uso crônico de hidroxicloroquina (HCQ) é uma complicação oftalmológica bem reconhecida, especialmente em pacientes com doenças autoimunes como lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide. Apesar do avanço dos métodos diagnósticos nos últimos anos, a detecção precoce de alterações estruturais ainda representa um desafio na prática clínica.

Um estudo pioneiro realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) lança luz sobre esse problema, demonstrando que a óptica adaptativa, uma tecnologia de imagem de altíssima resolução, é capaz de identificar alterações celulares na retina antes mesmo do surgimento de sinais clínicos ou de alterações nos exames considerados padrão-ouro, como autofluorescência, campo visual e tomografia de coerência óptica (OCT) com mapeamento de espessura e análise do epitélio pigmentar da retina.
O Estudo
O trabalho foi conduzido pelo oftalmologista João Pedro Romero Braga, durante seu doutorado no Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da FMRP-USP, sob orientação do Professor Doutor Rodrigo Jorge, referência internacional em retina médica e cirúrgica.
O estudo avaliou um grupo de mulheres com uso crônico de hidroxicloroquina, sem sintomas visuais e sem alterações nos exames oftalmológicos tradicionais. Por meio da óptica adaptativa, foi possível visualizar a arquitetura dos cones fotorreceptores da retina com resolução microscópica, permitindo identificar padrões de desorganização celular sutis, não perceptíveis pelos métodos de rastreamento convencional.
“Observamos que pacientes em uso prolongado de hidroxicloroquina, especialmente aqueles acima de dez anos de tratamento, já apresentam alterações estruturais na matriz dos cones da retina, mesmo na ausência de alterações detectáveis por OCT, autofluorescência ou campo visual,” explica João Pedro Romero Braga.
Essas alterações, segundo o pesquisador, configuram um sinal de toxicidade subclínica, indicando risco potencial de evolução para danos retinianos irreversíveis se a medicação for mantida sem monitoramento adequado.

Óptica Adaptativa: Tecnologia de Fronteira na Oftalmologia
A óptica adaptativa é uma tecnologia originalmente desenvolvida para a astronomia, com o objetivo de compensar distorções atmosféricas na observação de corpos celestes. Adaptada para a oftalmologia, essa técnica permite a correção das aberrações ópticas do olho humano, possibilitando a obtenção de imagens em altíssima resolução das estruturas da retina, especialmente dos fotorreceptores.
Diferente dos exames convencionais, que oferecem informações estruturais em baixa ou média resolução (como o OCT), a óptica adaptativa permite mapear individualmente cada cone ou bastonete, avaliando sua densidade, distribuição e organização.
Implicações Clínicas e Futuras Direções
Os achados deste estudo têm implicações diretas para a prática clínica. Atualmente, os protocolos de rastreamento de toxicidade por hidroxicloroquina são baseados em critérios definidos pela American Academy of Ophthalmology (AAO), que incluem exames como campo visual 10-2, OCT de mácula, autofluorescência e, em alguns casos, eletroretinografia multifocal. No entanto, esses métodos detectam alterações já em fases relativamente avançadas, quando há comprometimento funcional.
A detecção precoce de toxicidade subclínica com óptica adaptativa abre caminho para uma possível reavaliação dos protocolos de seguimento, especialmente em pacientes de maior risco — como aqueles com uso contínuo acima de cinco anos, doses cumulativas elevadas, insuficiência renal ou idade avançada.
Além disso, os resultados reforçam a necessidade de vigilância periódica rigorosa e indicam que a integração de tecnologias de imagem de altíssima definição poderá, no futuro, redefinir o padrão de cuidado na oftalmologia preventiva para pacientes em uso de hidroxicloroquina.

O estudo da FMRP-USP demonstra, de forma inédita no Brasil, que a toxicidade retiniana induzida pela hidroxicloroquina pode ser detectada em estágios muito precoces, antes da manifestação clínica ou de achados em exames tradicionais. A aplicação da óptica adaptativa surge como uma ferramenta promissora não apenas para a detecção de toxicidade, mas também para a compreensão dos mecanismos celulares envolvidos na degeneração da retina induzida por fármacos.
O avanço da tecnologia e a sua incorporação na prática clínica podem representar um novo paradigma na proteção da saúde visual de pacientes com doenças autoimunes, garantindo diagnóstico mais precoce, manejo mais seguro e melhor qualidade de vida.
Um marco na oftalmologia brasileira e internacional. Pela primeira vez, um estudo com grupo controle comprova que a avaliação da mácula por meio de óptica adaptativa pode detectar alterações precoces na organização dos cones retinianos em pacientes que utilizam hidroxicloroquina, mesmo quando não há sinais de toxicidade detectáveis pelos exames oftalmológicos tradicionais.
O artigo — recém-publicado no Graefe’s Archive for Clinical and Experimental Ophthalmology, um dos periódicos mais respeitados da área — tem como título:
“Adaptive optics cone arrangement in hydroxychloroquine users without signs of retinal toxicity based on current screening guidelines: a case-control study”
A Pesquisa e Seus Autores
O estudo é fruto de um trabalho colaborativo conduzido na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), sob a liderança científica do Prof. Dr. Rodrigo Jorge, um dos maiores nomes da retinologia no Brasil, com ampla produção científica e liderança acadêmica na área.
O primeiro autor, Dr. João Pedro Romero Braga, realizou a pesquisa durante seu doutorado, trazendo uma combinação de rigor metodológico e inovação tecnológica, ao aplicar a óptica adaptativa no contexto da toxicidade retiniana pela hidroxicloroquina — uma abordagem ainda pouco difundida, especialmente na América Latina.
O time de autores inclui também profissionais de alta relevância na oftalmologia e na ciência brasileira e internacional:
Por Que Este Estudo é Tão Importante?
A hidroxicloroquina é amplamente utilizada no tratamento de doenças autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico e artrite reumatoide. Embora eficaz, o medicamento apresenta risco de toxicidade retiniana, que pode levar à perda visual irreversível se não detectada precocemente.
Até o momento, os métodos convencionais de triagem — como OCT de mácula, campo visual 10-2, autofluorescência e, em alguns casos, eletroretinografia multifocal — são eficientes apenas na detecção de alterações já estabelecidas, quando já há perda funcional ou dano estrutural evidente.
O presente estudo rompe essa barreira ao demonstrar, com metodologia de caso-controle, que a óptica adaptativa é capaz de revelar alterações sutis na organização dos cones — células responsáveis pela visão de detalhes e cores — em pacientes que, segundo os critérios atuais, seriam considerados sem qualquer sinal de toxicidade.
Essas alterações foram observadas principalmente em usuários de longo prazo, reforçando a importância da vigilância oftalmológica intensiva e do desenvolvimento de novas diretrizes de triagem que incorporem tecnologias de ultra-alta resolução.
Impacto Científico e Aplicações Futuras - Toxicidade Retiniana
Os resultados reforçam o papel da óptica adaptativa não apenas como uma ferramenta de pesquisa, mas como um potencial novo padrão para diagnóstico precoce de toxicidade retiniana induzida por medicamentos.
O impacto desse estudo transcende a toxicidade pela hidroxicloroquina. Ele abre caminho para que a oftalmologia utilize a óptica adaptativa na detecção precoce de diversas patologias retinianas, como distrofias hereditárias, degeneração macular relacionada à idade (DMRI) e sequelas de doenças inflamatórias.
Além disso, a publicação em um dos periódicos de maior prestígio da oftalmologia mundial, o Graefe’s Archive for Clinical and Experimental Ophthalmology, consolida a FMRP-USP como centro de excelência internacional em pesquisa oftalmológica e desenvolvimento tecnológico na área de retina.
Este trabalho representa um avanço significativo na medicina de precisão aplicada à oftalmologia. A utilização da óptica adaptativa permite a identificação de alterações celulares antes que danos funcionais ocorram, redefinindo o conceito de detecção precoce e abrindo novas fronteiras para a proteção da saúde visual de pacientes em risco.
O grupo liderado pelo Prof. Dr. Rodrigo Jorge reforça, mais uma vez, sua posição de vanguarda na ciência oftalmológica mundial, produzindo conhecimento de impacto global a partir de uma instituição pública brasileira.
🔗 Leia o artigo completo: https://doi.org/10.1007/s00417-025-06772-2
Braga, J.P.R., Lucena, M.M., Rodrigues, M.W., Zupelli, A., Scott, I.U., Messias, A., Silva, D.M., & Jorge, R. (2025). Adaptive optics cone arrangement in hydroxychloroquine users without signs of retinal toxicity based on current screening guidelines: a case-control study. Graefe’s Archive for Clinical and Experimental Ophthalmology. https://doi.org/10.1007/s00417-025-06772-2
Keywords: Adaptive optics, Hydroxychloroquine, Retinopathy, Toxicity


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